
Cobrir shows e eventos sempre me traz uma onda de sentimentos positivos — e desta vez não foi diferente. Além da oportunidade incrível de assistir a duas bandas sensacionais, esta resenha marca o retorno da Cover Baixo aos eventos ao vivo (e desta vez, voltamos para ficar!).
O Espaço Unimed, já tradicional na cena da Zona Oeste de São Paulo e colado à estação de trem e metrô Barra Funda, recebeu no feriado de Páscoa dois gigantes da música, cada um em fases distintas de carreira: os suecos do Opeth, divulgando seu novo álbum “The Last Will and Testament”, e os americanos do Savatage, retornando aos palcos após um hiato (in)definido.
Um momento raro e especial
Peço licença para abrir um parêntese aqui:
Ao longo dos anos como resenhista, dá para contar nos dedos de uma mão os shows em que vi o público se emocionar genuinamente, apenas pela música, sem influências externas como cervejas ou companhias animadas.
Dessa vez, foi diferente. Vi dezenas de pessoas emocionadas, em conexão direta com o palco e a música, sem distrações. A energia era tão pura e intensa que parecia uma catarse coletiva. Um verdadeiro espetáculo de entrega — mérito, sobretudo, do Savatage.
Organização de respeito
Antes de seguir para os shows, vale destacar: a produção do evento merece aplausos. Pontualidade, qualidade sonora e respeito ao público. Que bom seria se todo show tivesse essa atenção!
OPETH
Há bandas que não apenas evoluem: elas transmutam. Opeth é uma dessas entidades raras que desafiam o conceito de tempo, estilo e rótulo, se moldando como uma força viva da música.
Vindo de uma apresentação no Monsters of Rock, o Opeth enfrentou o desafio de encaixar sua sonoridade progressiva ao lado da energia clássica do Savatage. Mesmo assim, em nove músicas, a sensação de “deslocamento” foi muito menor do que no festival.
Porém, assistir ao Opeth ao vivo é presenciar uma jornada interior. Não há urgência; há profundidade. Cada música é como um rio que flui ora calmo, ora furioso, arrastando tudo em sua correnteza — memórias, angústias, esperanças. Mikael Åkerfeldt, líder e vocalista da banda, manteve sua comunicação típica: simpático, irônico e espirituoso, brincando várias vezes sobre a multidão vestindo camisetas do Savatage. Mesmo com um novo álbum ainda sendo digerido pelos fãs, a missão dos suecos foi cumprida com maestria. Sua voz alterna entre sussurros e gritos primitivos, como quem entende que, dentro de nós, também existem essas duas naturezas brigando silenciosamente.

O Opeth não busca plateias eufóricas. Ele busca almas dispostas a mergulhar. Quem se entrega à experiência, entende: não se trata apenas de ouvir música, mas de ser transformado por ela. Os arranjos longos, as quebras de tempo, as harmonias sombrias e delicadas são convites a olhar para dentro e encontrar beleza também na melancolia, na dor, na solidão.
É um tipo de beleza que não se mostra de imediato. Ela exige respeito, paciência e coração aberto. E para aqueles que aceitam o convite, Opeth oferece algo raro: a sensação de se perder — e ao mesmo tempo se encontrar — dentro da música.

O destaque para nós, amantes das quatro cordas, vai para Martín Méndez. O baixista uruguaio exibiu precisão cirúrgica e uma musicalidade incrível — mesmo nas passagens mais longas e cheias de quebras de tempo.
Infelizmente, não consegui identificar quais pedais ele estava usando (provavelmente Darkglass, como de costume), mas prefiro preservar o mistério a arriscar uma informação errada. Seu instrumento? Os belíssimos baixos da Sandberg, marca que representa com maestria. Tocando sempre com pizzicato de dois dedos, Méndez trouxe linhas independentes e inteligentes que enriqueceram o tecido musical da banda.
Destaques da apresentação? As clássicas “In My Time of Need”, “Ghost of Perdition” e “Deliverance”, que encerrou um show poderoso de uma hora e meia.
SETLIST
INTRO – Seven Bowls
01 – §1
02 – Master’s Apprentices
03 – The Leper Affinity
04 – §7
05 – In My Time of Need
06 – §3
07 – Ghost of Perdition
BIS
08 – Sorceress
09 – Deliverance
MÚSICOS
Mikael Åkerfeldt – Voz/Guitarra
Fredrik Åkesson – Guitarra/Voz
Joakim Svalberg – Teclado/Voz
Martin Mendez – Baixo
Waltteri Väyrynen – Bateria
SAVATAGE
Existem bandas que fazem mais do que apenas tocar músicas; elas constroem pontes invisíveis entre o palco e a alma de cada pessoa na plateia. Savatage é uma dessas bandas.
Ao vê-los ao vivo (e depois de tantos anos de volta ao Brasil), é impossível não sentir a intensidade que transborda de cada nota, de cada acorde, de cada verso cantado. Não é apenas nostalgia — é como se eles revivessem histórias que moravam adormecidas dentro de nós. Histórias de luta, dor, sonhos e redenção. Praticamente todos os discos foram relembrados neste show de quase duas horas de duração, como se fosse uma coletânea sendo executada em tempo real.

O Savatage sempre foi uma banda que cantou sobre heróis imperfeitos, sobre batalhas internas, sobre luz e escuridão coexistindo dentro de todos nós. E quando eles sobem ao palco, essa dualidade vira música. Você sente a carga emocional das canções como se fosse o peso da própria vida — e, ao mesmo tempo, a esperança renascendo a cada refrão. A ideia de ter Jon Oliva tocando a música “Believe” no telão, seguida pela banda ao vivo, foi uma sacada genial e de grande sensibilidade para com o público.
Jon é, claramente, um gênio no que se propõe a fazer, e não é surpresa para ninguém que ele ainda sinta falta de seu irmão e eterno parceiro, Chris Oliva, guitarrista falecido décadas atrás em um acidente de carro.
Ver o Savatage ao vivo (mesmo sem os irmãos Oliva) não é apenas assistir a um show — é participar de um ritual de resistência emocional. É lembrar que, mesmo depois de todos os abismos, a música ainda pode nos resgatar.
Naquela noite, não era apenas uma banda voltando ao palco. Era um reencontro de almas carentes. Uma celebração daquilo que nunca morre.
A coesão era tão forte que, por momentos, dava-se a impressão de estarmos ouvindo um playback, com os músicos apenas dublando — mas, obviamente, não era o caso. O entrosamento era real, sentido por todos. A felicidade estava ali, pulsando.

O baixista Johnny Lee Middleton, músico de longa data do grupo, mostrou confiança ao tocar suas linhas. Não é característica do Savatage explorar o contrabaixo de forma protagonista em suas composições, reservando ao instrumento o papel de sustentar e dar corpo às músicas.
Salvo em pequenos e discretos trechos — como na introdução de “The Wake of Magellan” e na dobra com as guitarras em “Edge of Thorns” — podemos observar sua técnica e sonoridade refinada. No mais, é um músico que também investe na presença de palco, interagindo com os companheiros de banda, com o público e circulando com grande intimidade pelo enorme espaço, de um lado para o outro.
Também não consegui observar o que Johnny utilizava no chão (se é que utilizava algo), além dos tradicionais baixos Spector de quatro cordas, marca da qual é endorser.
A dobradinha deu certo, e quem compareceu certamente voltou para casa com a essência renovada — e já ansiando por mais, seja com Opeth, seja com Savatage. Considero quase nula a possibilidade de essas bandas dividirem o palco novamente, mas, desta vez, o inusitado venceu.
SETLIST
01 – The Ocean
02 – Welcome
03 – Jesus Saves
04 – Sirens
05 – Another Way
06 – The Wake of Magellan
07 – Strange Wings
08 – Taunting Cobras
09 – Turns to Me
10 – Dead Winter Dead
11 – The Storm
12 – Handful of Rain
13 – Chance
14 – This Is the Time (1990)
15 – Gutter Ballet
16 – Edge of Thorns
17 – The Hourglass
18 – Believe
BIS
19 – Power of the Night
20 – Hall of the Mountain King
MÚSICOS
Zak Stevens – Voz
Chris Caffery – Guitarra/Voz
Al Pitrelli – Guitarra/Voz
Johnny Lee Middleton – Baixo/Voz
Jeff Plate – Bateria
Jon Oliva – Teclado/Voz (afastado por saúde)
Paulo Cuevas – Teclado (apenas em turnê)
Shawn McNair – Teclado (apenas em turnê)
Agradecimento especial: Mercury Concerts/Catto Assessoria
Crédito das fotos: Reinaldo Canto/Ricardo Matsukawa/Mercury Concerts