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Os baixistas de Ozzy Osbourne

John Michael Osbourne nasceu em Birmingham, uma esfumaçada cidade industrial cerca de duas horas e meia distante de Londres, e assim como seus companheiros de Black Sabbath, tinha tudo para seguir no chão das fábricas junto de inúmeros outros merecedores de vidas mais dignas.

Certa vez, o físico e divulgador científico Neil deGrasse Tyson ponderou que o próximo Einstein poderia estar morrendo de fome na Etiópia, e conhecer a história de Ozzy nos faz pensar o que seria daquele garoto que enfrentava problemas de auto-estima devido à dislexia e, principalmente, o que seria da música se aquele trítono nunca tivesse sido tocado.

Depois de quase 10 anos na primeira empreitada junto do Sabbath, Ozzy venceu períodos turbulentos e lançou 13 álbuns solo ao longo de mais de quatro décadas, sempre acompanhado de músicos afiadíssimos como Randy Rhoads, Jake E. Lee, Zakk Wylde, Lee Kerslake, Tommy Aldridge, e Randy Castillo.

Mas e os baixistas, afinal, quem são?

Bob Daisley

O australiano Robert John Daisley se mudou para a Inglaterra aos 20 anos de idade, em 1971, em busca de melhores oportunidades no mundo da música. Logo no início de sua jornada no continente europeu, integrou o Chicken Shack e o Mungo Jerry, até que no fim daquela década foi escolhido por Ritchie Blackmore para algumas faixas de Long Live Rock ’n’ Roll, do Rainbow. Ao ser substituído por Roger Glover, Daisley foi recrutado para integrar a Blizzard of Ozz, nova banda de Ozzy Osbourne, que havia se desligado do Black Sabbath.

Ao lado de Lee Kerslake (bateria), Randy Rhoads (guitarra) e Don Airey (teclado), Daisley  gravou todas as linhas de baixo em Blizzard of Ozz (1980), Diary of a Madman (1981), Bark at the Moon (1983) e No Rest for the Wicked (1988), mantendo uma relação de idas e vidas que duraria até 1991, com o lançamento de No More Tears.

Coincidentemente, assim como Geezer Butler fora responsável pela grande maioria das letras do Black Sabbath, o baixista da primeira formação da Blizzard também encabeçou os versos dos maiores sucessos do Príncipe das Trevas, como Mr. Crowley, Crazy Train, Suicide Solution, I Don’t Know, Over the Mountain, Flying High Again, Revelation (Mother Earth), Goodbye to Romance, Bark at the Moon e inúmeras outras.

Relatos de gestão abusiva por parte de Sharon Osbourne e ausência de créditos de performance e composição marcaram a vida pública de Daisley desde o início dos Anos 2000, culminando numa medida absurda onde Sharon exigiu que Mike Bordin e Robert Trujillo regravassem as partes de bateria e baixo dos dois primeiros discos solo de Ozzy. As versões originais só foram retomadas comercialmente no início dos Anos 2010.

Daisley possui um estilo marcante, com palhetada agressiva e uso extremamente eficaz de levadas em semínima e staccato. Suas frases, com cromatismos, oitavas e arpejos, frequentemente perseguiam caminhos diferentes das linhas de guitarra. Crazy Train sem dúvidas é um estudo de composição para baixistas de qualquer gênero musical.

Rudy Sarzo

Amigo de Randy Rhoads e seu colega de Quiet Riot, Rudy Sarzo é considerado por muitos um dos maiores bass heroes da história do rock e ajudou a definir o som do baixo pesado da década de 1980. Embora não tenha entrado em estúdio junto de Ozzy, aparece nos shows Speak of the Devil (1982) e Tribute (1987), sendo o último um lançamento póstumo em homenagem a Rhoads.

Dono de uma performance de palco marcante, Sarzo balança seu baixo para cima e para baixo desferindo uma execução extremamente limpa e reproduzindo com exatidão as linhas gravadas em estúdio, achando espaços para frasear junto da bateria de Tommy Aldridge.

Phil Soussan

Com a demissão de Lee Kerslake e Bob Daisley em 1983, o britânico Philip Raphael Soussan assumiu os graves em The Ultimate Sin (1986), embora muitas letras de Daisley ainda tenham sido usadas. Tido como o álbum mais “glam” de Ozzy Osbourne, o trabalho conta com o excelente Jake E. Lee nas guitarras, Randy Castillo na bateria, Mike Moran nos teclados e uma emblemática capa desenhada pelo artista peruano Boris Vallejo.

Soussan, que também lista no currículo parcerias com Richie Kotzen, Edgar Winter, Toto e Billy Idol, foi co-escritor do maior hit do disco: Shot in the Dark.

Dono de uma palhetada precisa e fluente na linguagem oitentista do baixo no rock, Soussan cria linhas repletas de levadas em colcheia que passeiam pelas por escalas, modos e arpejos de maneira a acompanhar as diferentes intensidades e climas das canções. Ele recorda ter usado amps da Marshall no disco e na turnê subsequente.

Phil possui um modesto canal no Youtube onde mostrou algum de seus trabalhos mais famosos no baixo que incluem uma videoaula the Shot in the Dark (em inglês):

https://www.youtube.com/watch?v=Dp9aa5C-t-Y

Geezer Butler

É desnecessário apresentar Terence Michael Butler, colega de Ozzy no Black Sabbath e contribuinte essencial no desenvolvimento do conceito sombrio do quarteto de Birmingham, sendo inclusive responsável pelo nome, que referencia o filme de Mario Bava lançado em 1962. Fã fervoroso de Gustav Holst, Geezer apresentou aos colegas Marte, primeiro movimento da suíte Os Planetas, que serviu de base para a criação do icônico riff da canção Black Sabbath.

Geezer excursionou com a banda solo de Ozzy Osbourne no final da década de 1980, aparecendo no EP ao vivo Just Say Ozzy, de 1990. Ele retornaria em 1995 para gravar Ozzmosis, contribuindo com o icônico riff de Perry Mason.

Para uma análise completa do estilo de Geezer, confira a matéria do nosso amigo Thales Carosia.

Mike Inez

Dono de uma volumosa cabeleira cacheada, Mike Inez é o coração do Alice in Chains há mais de três décadas, e foi justamente durante a turnê do No More Tears que o baixista californiano foi recrutado para substituir Mike Starr, que enfrentava a dependência química.

Extremamente carismático e mais um membro da gangue dos palheteiros, Inez consegue andar colado em riffs pesados adicionando swing com rítmicas precisas de mão direita.

Amplamente conhecido por seus baixos Spector com grave profundo e uma dose acertada de drive que traz definição, Inez integrou o Black Label Society e o Heart; e embora não tenha gravado em estúdio, é o compositor do icônico riff de No More Tears.

Robert Trujillo

Natural de Santa Mônica, na Califórnia, Robert Trujillo se tornou amigo do pioneiro do funk rock Mike Muir ainda na década de 1980 e integrou dois de seus principais projetos: o Infectious Grooves e o Suicidal Tendencies. Na década de 1990 conheceu Ozzy Osbourne durante sessões de gravação e passou a integrar a banda do Madman em 1996, mesmo ano em que Mike Bordin assumiu as baquetas do grupo. O guitarrista na ocasião era Joe Holmes, que devolveria o posto a Zakk Wylde não muito tempo depois.

Frequentemente equipado com baixos de 5 e 6 cordas, Trujillo posicionava o baixo na linha de frente em seus trabalhos, exalando a sonoridade do funk que se entrelaça com a estética punk da obra de Muir com grooves variados e slap desenvolvendo narrativas próprias ao longo das canções e exploravam todo o braço do instrumento. A serviço do lendário cantor, o baixista reproduzia com exatidão as linhas compostas por seus antecessores, incorporando um lado mais sideman de seu trabalho.

Podemos ouvir Trujillo junto de Ozzy no estúdio em Down to Earth (2001) e no ao vivo Live at Budokan (2002)..

Chris Wyse

Após a partida milionária de Robert Trujillo para o Metallica em 2003, o posto foi brevemente ocupado por Jason Newsted, até que um acidente de quadriciclo forçasse Ozzy a parar para se recuperar. Na volta ao trabalho, Mike Bordin convocou Chris Wyse (The Cult) para trabalhar em Under Cover (2004), um álbum composto por covers de canções que marcaram a vida de Ozzy. O repertório vai de Joe Walsh a King Crimson e permite ao ouvinte não só entender as influências que, junto dos outros membros do Sabbath, se transmutaram no heavy metal, mas também apreciar a interpretação do Madman para clássicos que marcaram sua vida, incluindo sua paixão pelos Beatles.

Under Cover dedica a maior parte de seu espaço na mix para voz e guitarra, mas é possível ouvir o potente Fender Precision com clareza em diversos momentos, incluindo uma versão grave e soturna de Sunshine of your Love, do Cream.

Blasko

De volta aos trabalhos autorais em 2007 com Black Rain, Ozzy agora confiava seus graves a Rob Nicholson, conhecido como Blasko. O baixista estadunidense veio do thrash metal, iniciando sua carreira no Cryptic Slaughter na década de 1980, mas foi ao lado de Rob Zombie que alcançou verdadeira notoriedade.

Blasko seguiria como baixista oficial de Ozzy até o fim de sua carreira, aparecendo integralmente em Scream (2010), mas ficando ausente de Ordinary Man (2020) e Patient Number 9 (2022), que trouxeram um time de baixistas convidados que incluíam até Duff McKagan e Chris Chaney.

A abordagem de Blasko é bastante pesada e rítmica, munindo-se de palheta para entregar um timbre grave e profundo que moldou a sonoridade do baixo no metal do início do século.

Em retrospecto, é possível perceber que Ozzy Osbourne não foi bem assessorado somente no visual ou nas escolhas midiáticas, mas também na escolha dos músicos que o acompanharam, sempre visando as tendências do mercado fonográfico.

Qual seu baixista favorito na lista acima?

Dilson Siud

Dilson Siud é baixista desde 2004. Após de um período no EM&T (Escola de Música & Tecnologia) Campinas, se tornou aluno de Jim Stinnett, professor da Berklee College of Music (Boston, EUA), e ao se destacar nos estudos, estampou a Stinnett Student Spotlight de dezembro de 2014, conquistando uma bolsa de estudos integral para o New Hampshire Bass Fest 2015, mesmo ano em que se tornou editor-geral da revista Cover Baixo, a maior e mais longeva publicação brasileira sobre o mundo dos graves.
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